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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Professores também são vítimas de ciberviolência

Texto por ANGELA SENRA

Página do Orkut com resultados da busca “odeio professor”: foram

encontradas cerca de 1000 comunidades

Sofrer perseguição e constrangimento pelo pessoal da escola, o
bullying, não é um acontecimento reservado apenas aos alunos.
Professores também padecem com o desrespeito dos estudantes. Mas, em
vez de aviõezinhos de papel, os alunos de hoje se vingam dos
professores na internet, criando comunidades e sites com difamações e
xingamentos. Seria uma espécie “ciberbullying às avessas”, apesar de o
termo não se aplicar neste caso (leia abaixo).

A ciberviolência contra professores – melhor definição aplicada aqui -
parece ser mais comum em escolas públicas, mas existe também nos
estabelecimentos privados. Para a psicopedagoga Quézia Bombonatto,
presidente da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia), uma
explicação para que o mau comportamento ocorra com menos frequência
nas particulares é o sonho dos pais que os filhos estudem em
determinados colégios. “Os mais conceituados são procurados às vezes
quando a criança nasce, dão status, por isso as escolas privadas
conseguem controlar melhor este tipo de comportamento”, acredita.

Isso não quer dizer que não aconteça. A professora de Florianópolis
(SC) Luciana*, de 41 anos, lecionava em uma faculdade particular havia
três anos quando se viu às voltas com a agressão de um grupo de
alunos. “Eles não aceitavam as cobranças que eu fazia em sala de aula
e partiram para o ataque na internet. Criaram uma comunidade no Orkut
com o nome de ‘Eu Odeio a V… Cognitiva’, que fazia referência à
disciplina que eu dava”, relata.

Ela levou o fato ao conselho de ética da universidade, que não se
posicionou a respeito. “O coordenador do curso apenas conversou com os
alunos e pediu que retirassem o grupo virtual do site. Mas até a
comunidade sair do ar eles colocaram posts ofensivos, me xingaram de
todos os palavrões que se pode imaginar.”

Ao contrário de muitos professores, que acabam doentes, Luciana
permaneceu indo normalmente ao trabalho. “Tenho jogo de cintura, não
me deixei abalar, mas foi muito complicado. Não é nada agradável ter
um grupo de pessoas que não gosta do seu trabalho e que, em vez de
discutir civilizadamente, publica insultos contra você diariamente na
internet”, desabafa.

A solução que a faculdade encontrou foi não renovar o contrato com
Luciana, que hoje leciona em faculdade federal e não sofreu mais este
tipo de assédio.

Brincadeira ou assédio?

O assédio moral aos professores não é uma novidade do século XXI, mas
Quézia acredita que antes era mais disfarçado. “Na década de 1970,
quando dava aulas, os alunos ficavam quietos na presença do professor.
Hoje as relações são muito diferentes, há uma desvalorização
generalizada do papel do educador. Os próprios pais, muitas vezes, ao
invés de questionarem os filhos, questionam os professores, mesmo
quando se trata de notas baixas.”

Além disso, o próprio sistema, segundo ela, dá mais poder ao aluno. “A
reprovação, que era um instrumento de controle, quase não existe mais,
e o aluno sabe disso”, diz Quézia.

Professor versus aluno

O professor então estaria isento de responsabilidade? O sociólogo
Gualberto Gouveia, que estuda o tema há seis anos, acredita que não.
“Muitos estão afastados dos alunos, não se atualizam e perdem o
controle com facilidade. Isso dá margem às brincadeiras, que, muitas
vezes, não passam disso mesmo.”

Para a psicopedagoga Birgit Mobus, da Escola Suíço-Brasileira de São
Paulo, o limite entre uma gracinha de mau gosto e agressão nem sempre
é claro. “Se um aluno coloca sal na água do professor, é indisciplina?
Qual o significado de ‘vá se ferrar’, por exemplo? Para alguns, é um
palavrão; para outros, um desabafo do tipo ‘não enche’. Depende muito
do humor do professor e de seu nível de tolerância. O bom profissional
sabe avaliar a gravidade de um fato e conversa com o aluno e os pais
para resolver”, acredita.

E quando o aluno resolve partir para a agressão física? “Crianças
pequenas, que não sabem lidar com a raiva, podem bater no professor.
Muitas vezes, estes alunos têm pais abusadores ou não têm limites
dentro de casa e carregam o mesmo comportamento para a sala de aula”,
diz Birgit.

Não é incomum também ouvir dos pais que, já que pagam a escola, os
professores têm de fazer o que eles querem. “Os professores são
cobrados, mas não são valorizados. E isso se reflete no comportamento
dos alunos”, afirma Quézia.

O que fazer

No caso de agressão de aluno contra professor, o termo bullying não se
aplica, pois é usado para denominar agressão entre pares, ou seja,
aluno contra aluno ou professor contra professor. Mas assim como nos
casos de bullying, a escola tem sua responsabilidade. “Ela deve ficar
alerta ao problema, no sentido de preveni-lo”, explica o advogado
trabalhista empresarial José Eduardo Pastore.

A difamação, que consiste em atribuir a alguém fato ofensivo à sua
reputação, pede medidas:

- Registre um boletim de ocorrência (BO) contra o autor da difamação
ou seu responsável legal.

- No caso de redes sociais, ingressar com uma ação cautelar para que o
provedor forneça os dados sobre a identidade do computador do qual as
mensagens foram postadas e ainda para que o provedor remova do ar o
conteúdo ofensivo.

- Entre na Justiça com um pedido de indenização por danos morais.

- Entre na Justiça com uma ação de difamação, de caráter criminal. O
crime de difamação se enquadra nos crimes contra a honra, Capítulo V,
Título I da Parte Especial do Código Penal Brasileiro. A difamação,
prevista no artigo 139 do Código Penal, é punida com detenção de três
meses a um ano, além de multa.

* O nome foi trocado a pedido da entrevistada